sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Escola e a Informação

JORNAL VIRTUAL PROFISSĂO MESTRE
Profissăo Mestre – Ano 7 Nº 95 – 28/11/2008


A Escola e a Informação

Como forma de avaliação, o mestre exigia que seu discípulo lhe trouxesse uma flor num prazo estipulado. Essa era encontrada somente após longos dias de caminhada, em que o garoto precisava procurar e procurar. Desdobrando-se para cumprir a expectativa e ser considerado um bom aluno, ao lhe entregar o pedido na data prevista, percebia seu professor expressar prazer por vê-lo tão cansado e, depois, disfarçadamente, desprezar a flor solicitada.

Na virada dos tempos, um forte vento espalhou as sementes das flores pelos quatro cantos. Um punhado caiu no jardim do menino. E a cada avaliação, ele apenas estendia os braços e alcançava uma flor pela janela de seu quarto. O professor desequilibrou-se. Dizia que não. Tentava explicar que, agora o garoto não podia simplesmente entregar a flor. Conforme antigas/modernas teorias, devia cheirá-la, contar-lhe o que sentira e relacionar essa sensação subjetiva com a de outros.

No entanto, nem o aluno, tampouco o professor sabiam dar sentido à flor.

Inicio esse artigo com um conto que criei com a intenção de metaforizar uma das tensões da educação – sua relação com a informação. Engana-se aquele que acredita ser essa uma angústia nossa e atual. A história revela os desequilíbrios das instituições ao perceberem-se perdendo espaço e poder por razão de revoluções que romperam com os cativeiros da informação. Na escassez de informação, quem tinha uma página era rei. A partir dessa situação, dentre outras, é que a igreja, como a escola, fortaleceu-se como império absoluto.

O educar era concebido como conduzir ou, sendo mais sincero, exigir que as crianças se esforçassem para ter aquilo que era considerado raro: a informação. Aluno bom era aquele que sofria até obtê-la. Esse merecia as honras da casa.

Tal modelo escolar e intenção educativa se perpetuaram, chegando até meus dias de aluno. Permita-me lembrar, com misto de revolta, humor e nostalgia, a dificuldade que era elaborar uma pesquisa escolar nos anos 80. Nem quero considerar a experiência dos meus amigos das décadas de 60 e 70!

Recordo que os alunos dedicados – ou cdfs, conforme as gírias da época – desesperavam-se diante da proposta. As angustiantes falas inundavam a sala de aula: “Onde vou encontrar isso, professor? Não vai dar tempo!”. Já os mais revoltados gritavam que não iam fazer nada. Mas, acabavam conseguindo entrar num grupo e tirar a nota.

Depois do término, a entrega era teatral. Pilhas de almaço sobre a mesa do professor, alunos suspirando de alívio. Se fosse em forma de cartaz, muita purpurina na cartolina e papel celofane. Esse capricho deveria ser mais notável nas pesadas maquetes de isopor que, depois da feira de ciências, eram tacadas fora. Na verdade, tudo era descartado. Muitas vezes, na mesma aula da entrega, para revolta das crianças mais críticas, o professor ou professora mudava o conteúdo a ser trabalhado. Feito o trabalho, podia-se virar a página do livro com o sentimento de tarefa cumprida e iniciar outro tema. Depois, exigir mais alguns trabalhos, mudar novamente o conteúdo, repetidas e repetidas vezes, até o término do ano letivo.

Por mais tristeza que essas propostas nos causaram, podemos encontrar aspectos “positivos” nessas experiências. Não aprendíamos tanto, mas nossas habilidades de comunicação, locomoção e visão eram fortalecidas. Afinal, muitas famílias não tinham enciclopédia e livros em casa, por isso o aluno precisava aprender a “gritar por socorro” e buscar com quem conhecesse o material da pesquisa. A criança tinha que “correr atrás”, até encontrar a informação. O aluno, se tímido, aprendia “na marra” a falar com os outros.

Esse desafio de encontrar o material envolvia também as muitas viagens para pegá-lo. Por fim, aliviado, com o material nas mãos, o aluno olhava com atenção o sumário e as páginas, buscando o título do trabalho que, na maioria das vezes, repetia exatamente os enunciados dos capítulos das apostilas didáticas. E copiava o que havia sido solicitado.

Fico imaginando a algazarra que faria se pudesse voltar à minha antiga escola carregando meu laptop conectado à internet. Tiraria as melhores notas. Naqueles moldes, poderia, com menos de nove anos, até me aventurar em expor alguns conteúdos!

De fato, os ventos modernos chacoalharam as antigas bases escolares. A velha escola tem sido questionada. Hoje, já não mais cabem metodologias para o encontro das informações. Na verdade, esse nunca fora o objetivo escolar. Sempre soubemos (ou não?) que era ineficaz a informação pela informação. Mas o que satisfazia e legitimava as ações era entender como educativo o ato da criança encontrar aquilo que o planejamento já previa. E o verbo – encontrar – é usado com propriedade, pois, de fato, o mérito era totalmente para aquele que, percorrendo exatamente o caminho previsto pelo professor, encontrasse o que também era previsto. Nada de surpresas, novos resultados, inovações. A questão era ordinária: encontrar a flor.

Diante de salas compostas por alunos da geração digital, sobra espaço para didáticas alternativas, reflexão e práticas de novas formas de aprender e ensinar. Se pautarmos as aulas na apresentação e solicitação de informações, é somente isso que os alunos nos trarão. E com toda facilidade que a realidade atual lhes permite. Relembrando o conto, apenas copiarão pelas múltiplas janelas virtuais que estão a sua disposição.

Robson de Oliveira é teólogo, pedagogo e Orientador Educacional do Colégio Interativa em Londrina-PR. Contato: robson@interativalondrina.com.br

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A ATITUDE DE QUERER MUDAR

MORAN, José Manuel. Aprendendo a viver. 4 ed. São Paulo: Paulinas, 2008, p.16-17 e 55-56.

Todos queremos mudar.

Todos percebemos que precisamos mudar em alguns campos.

Mas fazer mudanças costuma ser mais complicado do que imaginamos.

Uns tentam mudar como se fossem fazer regime para emagrecer. Começam uma dieta, depois param, recomeçam com outra e assim vão: fazem coisas, mas param em algum momento. Depois de várias tentativas, desanimam, porque não conseguem chegar e principalmente manter seus propósitos.

Outros se informam, lêem tudo o que se relaciona com a mudança. Assistem a palestras, fazem cursos. Sabem tudo na teoria, mas lhes falta a coragem de colocá-la na prática. Desejam mudar, mas não assumem uma atitude realmente efetiva de mudança.

Têm os que fazem tudo, menos o principal. Rezam, prometem, tentam de um jeito e de outro, estão sempre em atividade. Parece que estão conseguindo. Mas utilizam táticas diversionistas. Fazem tudo, menos o que precisam fazer. Mexem em tudo menos no que os ajudaria de verdade. Vivem equilibrando-se em mil tentativas, para mudar sem quebrar a antiga estrutura. Esticam a corda até quase arrebentar, mas sempre voltam a tempo quando estão a ponto de dar um passo mais forte na direção do novo.

São pessoas equilibristas. Com a uma mão se aproximam do novo, tentam novas ações, enquanto com a outra se agarram ao já conhecido, às situações existentes. Avançam e recuam ao mesmo tempo. Vivem momentos de alegria ao perceber que avançam e de extrema frustração ao constatar que sempre voltam para o mesmo lugar. Carregam uma tensão interna insuportável, porque pressentem a alegria da mudança sem conseguir desfrutá-la.

São pessoas, por exemplo, que não suportam mais um relacionamento afetivo e conhecem alguém com o qual se entendem muito melhor, que se realizam plenamente, mas não conseguem romper com a situação anterior. Ficam divididos, podem levar durante anos vidas paralelas. Intelectualmente têm bem claro que a nova situação é muito superior, mas continuam presos por teias invisíveis ao passado; sentem medo em dar um novo passo, em mostrar seu fracasso, em arriscar a longo prazo. Acontece muito isso quando há uma família com filhos e o parceiro também é dependente. Filhos e companheiro podem fazer de tudo para prender a pessoa que quer mudar; se unem num esforço tenaz para imobilizar qualquer tentativa de mudança, procuram os pontos fracos do outro: "não posso viver sem você"; "vale a pena recomeçar", "os filhos vão sofrer" "a nova situação pode ser uma ilusão; depois tudo fica igual; então, para que arriscar?".

A pessoa se sente literalmente sufocada, presa numa teia da qual não consegue se soltar. A vida em casa vai ficando mais tensa, sem alegria. A convivência se torna cada vez mais formal, superficial. Não há intimidade real, nem alegria de estar juntos. Inconscientemente há uma raiva com o parceiro e contra si mesmo, pela impotência, que se transforma em contínuas alfinetadas, ironias, pequenas vinganças, na rotina automática dos gestos, tarefas, ritos cada vez mais sem sentido, na indiferença.

E há os que querem mudar de verdade e tentam todos os caminhos possíveis. A longo prazo evoluem muito e se tornam pessoas mais interessantes e realizadas.

Mudando de verdade

É importante ver se realmente queremos mudar. Olhar com calma, com objetividade para nossas formas de agir.

Primeiro,  querer, renovar o desejo de mudar. Depois ir mudando no que nos for possível, no nosso ritmo, do nosso jeito, atentos e ao mesmo tempo aceitando limites, dificuldades que se apresentam, não as negando. Mesmo quando recuamos, vamos aceitar essa dificuldade, reconhecê-la, apoiando-nos mesmo na indecisão.

A mudança não pode significar só sofrimento, mas também esperança, confiança. Há sofrimento, sem dúvida. É como quando precisamos retirar um band-aid da nossa pele Quanto maior a ferida, com mais cuidado o retiramos; vamos umedecendo a material e a pele até que desgrude e se liberte. Alguns preferem arrancar de uma vez o curativo. Há momentos em que isso é possível, em outros podemos agravar a ferida, se não está cicatrizada.

Podemos experimentar suavemente nossas mudanças. Começar pela periferia, pelo que nos é mais fácil. Ir avançando no ritmo, direção, freqüência que não nos violentem. Estar atentos a tudo o que vamos percebendo, sentindo, fazendo. Dar-nos apoio incondicional, mesmo quando retroagimos. O apoio afetivo é decisivo para não esmorecer. E ir sempre retomando nosso processo de mudança, como um lento cerco que fazemos às muralhas com que nos defendemos. Encontrar as brechas para introduzir-nos, fazer pequenos gestos de mudança, avaliar diversas estratégias de avanço.

De pequenas em pequenas mudanças teremos coragem para chegar a mudanças mais abrangentes. Não vale a pena focar só o longo prazo, mas ir conquistando pequenos espaços de liberdade, de realização, de progressos possíveis neste momento. E, depois, procurar sedimentá-los, reconhecê-los, valorizá-los, incorporá-los até onde nos for possível.